segunda-feira, 2 de março de 2009

Conta uma história?


"O homem está com os olhos fechados, uma mão sobre o peito e outra sobre a coxa dela, em íntima cumplicidade. Para mim essa visão é recorrente e imutável, nada muda, é sempre o mesmo sorriso plácido do homem, a mesma languidez da mulher, as mesmas dobras dos lençóis e cantos sombrios do quarto, sempre a luz da lâmpada roçando os seiso e os pômulos dela no mesmo ângulo e sempre o xale de seda e os cabelos escuros caindo com igual delicadeza. Cada vez que penso em ti, assim te vejo, assim nos vejo, presos para sempre nesta tela, invulneráveis à deterioração e à má memória. Posso desfrutar longamente esta cena, até sentir que entro no espaço do quarto e não sou mais o que observa, mas o homem que jaz junto a essa mulher. Então se rompe a simétrica quietude da pintura e escuto nossas vozes muito próximas.
— Conta-me uma história — digo.
De que tipo?
Conta-me uma história que não tenhas contado para ninguém."


Isabel Allende, Contos de Eva Luna.


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