segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Minorias, identidades e caráter


Gentes, eu sou feminista assumida, e isso tem uma penca de implicações, como toda e qualquer identidade que se assuma.

Primeiro, preciso aprender a lidar com mulheres que orgulhosamente dizem serem "femininas, e não feministas". Pois bem. Eu uso rendinhas e lacinhos, batons, cremes, perfumes, penso em estratégias de sedução de namorado, gosto de cozinhar e sonho em ter uma família cheia de filhos. Acho que isso também me caracteriza como feminina, sem tirar de mim nada daquilo em que sou feminista. Aliás, agradeço penhoradamente a todas as feministas que lutaram contra a sociedade patriarcal e seus paradigmas, pra que hoje eu possa usar saia curta, escolher minha profissão, votar, ser independente e levada a sério, ter voz, vez e espaço. Obrigada!

Segundo - e o motivo dessa postagem - morro de medo de ficar bitolada, do tipo que vê discriminação em tudo. Se alguém não me dá uma oportunidade, é porque eu sou feminista. Se alguém me olha torto, é porque eu sou feminista. Se perco uma competição, fui discriminada. Se sou preterida, fui discriminada.

Tenho pânico de ficar assim.

Porque as coisas não são tão simples e óbvias.

Discriminação existe, e muita. Por sexo, por orientação sexual, por cor, por idade, por usar brinco, tatuagem, por se vestir assim ou assado, por empregar determinada linguagem, por ter determinado posicionamento político, pelo estado civil... O problema é que, muitas vezes, quem tem uma identidade marcadamente alvo de discriminação se refugia nela pra justificar tudo o que lhe acontece.

Várias vezes perdi uma disputa não por ser mulher, mas por não ser boa o suficiente pra vencer. Acontece, é da vida! Tem gente mais qualificada do que eu. Tem gente mais encaixada com o que os outros buscam do que eu.

Me arrisco a ir além: não é porque sou feminista, humanista e o escambau que eu sou uma boa pessoa. É pelo que eu faço, pelas decisões que tomo, pelas minhas iniciativas... Só que ainda assim vai ter gente que não me suporta, que me acha um cocô. E isso não é discriminação, é da vida!

Um exemplo muito besta daquilo que me apavora: fui olhar os e-mails, hoje de manhã, e recebi um de uma conhecida, com o título "Não à homofobia". No corpo da mensagem, um pedido inflamado para que todos os destinatários fossem à página do Big Brother Brasil 10 e votassem para que o tal "Dourado" deixasse o confinamento, pois o mesmo seria um homofóbico competindo com duas pessoas gays pela permanência no jogo.

Caramba, sei lá quem são essas criaturas, não estou acompanhando o Big Brother (e não é virtuosismo, é preguiça mesmo). Mas a minha pergunta é: só porque as pessoas são gays elas são legais, bacanas, do bem?

Não me interessa a resposta pra esse caso. Nem quero saber quem sai e quem fica. O que eu quero é deixar um pensamento quicando.

É hediondo que presumam que alguém é mau ou indigno porque é gay, negro, pobre ou o que for, da mesma maneira que é um baita equívoco achar que, pelos mesmos motivos, a pessoa é boa, justa ou tem valores nobres.

A gente vale pelo que faz...


5 comentários:

Raquel, Augusto e Agatha Drehmer disse...

Cib, como sempre seu texto é perfeito e preciso. Assino embaixo de tudo o que você escreveu. Penso exatamente tudo isso, desse mesmo jeito. Perfeito, perfeito!

Beijo beijo!

alfacinha disse...

Em resume:
Somos todos diferentes, somos todos iguais.
Obrigado pelo lindissimo texto

Mistérios, Magias ou Milagres. disse...

Viver no planeta Terra as vezes se torna uma experiência complicada, porque nem sempre agradamos a nós mesmo e quanto mais os outros. Sua opinião é valiosa, você é única e jamais abra mão disso.
Amei de verdade seu blog. Parabéns. Abraços Heudes.

Cib disse...

Muito obrigada pela visita e pelas palavras, Heudes!

Venha sempre, a casa é sua!

Angelo Italo disse...

Lembro de uma oitava série noturna que dei aula no Capão em sp, a sala era formada predominantemente por meninas. Trabalhei quase dois bimestres só discutindo questões de gênero. A questão que me incomodava era a naturalização de representações como "mulher com vida sexual ativa é puta"; "é dever só da mulher cuidar dos filhos", "homem não presta (em tom de conformismo para aceitar traição)", etc... A questão da mulher, do feminismo tem que ser situada onde a exploração ainda existe, e não no universo da classe média que majoritariamente assume esse discurso da "feminilidade" e acha normal pagar uma merreca para a empregada... a questão do feminismo é uma questão de identidade, e infelizmente ainda uma questão de classe (por mais anacrônico que o conceito pareça ser para muitos).

No dia das mulheres eu não incentivo meus alunos a darem flores para as mulheres, mas conto a origem do dia e peço para eles relatarem as dificuldades da vida de suas mães, tias, irmãs... pensar porque ser mulher, e pobre é tão difícil nos dias de hoje.