quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

As princesas e a Cinderela

Nós, menininhas da mamãe e do papai (confessemos: sempre mais do papai, nosso herói), crescemos ouvindo contos de fadas. Pedíamos, suplicávamos por eles, quando nos punham a dormir... Queríamos ter nosso sono embalado por sonhos repletos de princesas, príncipes, magia e encantamento, arrematados por finais felizes de arrancar suspiros e derreter o coração.

Nossos contos de fadas favoritos, certamente, eram aqueles em que princesa e príncipe terminavam juntos, sob a égide da famosa frase "...e foram felizes para sempre."

Eu reconheço: me imaginei princesa por toda a infância, e secretamente, continuei acalentando esse devaneio por todo o resto da vida.

Mas, paremos pra pensar, amiguinhas: que faziam as tais famosas (e formosas) princesas para merecerem que quiséssemos ser como elas - ou, confessando, queríamos mesmo ser as próprias princesas, e não simplesmente iguais a elas - e viver seus destinos?

Branca de Neve, jurada de morte pela própria madrasta, dada a beleza estonteante de suas alvas feições, seguiu um caçador inocentemente, foi abandonada na floresta e serviu de empregada a sete anões, que viviam de escavar minas. Foi descoberta pela madrasta, envenenada e dada por morta. Até o dia em que o príncipe apareceu, beijou-a e salvou-a, e a levou consigo para o final feliz. Ou seja: sofreu, sofreu, sofreu e esperou.

Bela Adormecida foi amaldiçoada, quando nasceu, por uma bruxa recalcada por não ter sido convidada para ser sua madrinha. Apesar dos esforços do pai em banir todas as agulhas do reino, feriu o dedo no fuso da roca e caiu em sono profundo, no qual permaneceu por cem anos, enquanto o tempo e o mato de espinhos se encarregavam de destruir a vida que ela havia conhecido. Até o dia em que o príncipe apareceu, beijou-a e salvou-a, e a levou consigo para o final feliz. Ou seja: sofreu, sofreu, sofreu e esperou.

Rapunzel, a bela das longas tranças, foi raptada por uma malévola bruxa e mantida em cativeiro no alto de uma torre, vigiada por um dragão cuspidor de fogo. Todos os dias, tinha que aguentar o peso da velha bruxa a subir por suas tranças até o quartinho frio e minúsculo onde era prisioneira, na torre. Até o dia em que o príncipe apareceu, beijou-a e salvou-a, e a levou consigo para o final feliz. Ou seja: sofreu, sofreu, sofreu e esperou.

Essas eram as nossas princesas... Nossos ídolos, nossos modelos de mulher... Era assim que queríamos ser! Ou seja: vamos lá, sofrer, sofrer, sofrer e esperar, até que um príncipe faça o favor de tomar conhecimento de nossa existência, caia perdidamente de amores por nós e nos venha salvar, carregando-nos consigo para o "felizes para sempre".

Ops! Falta uma! Falta uma princesa!

Cinderela. Essa não era princesa de nascimento, mas nunca nos importamos com isso. Teve sim, sua cota de sofrimento, impingido pela maldosa madrasta, ciumenta do amor entre pai e filha, e por duas irmãs postiças feiosas, invejosas de sua beleza e inteligência. Teve sua cota de espera, mas apenas até que o príncipe - não de um reino distante, mas o do reino onde vivia, e em quem já devia ter posto os olhos e os desejos há muito - resolvesse tomar uma noiva, escolhida dentre as damas participantes de um lindo baile, oferecido em seu palácio. A madrasta a proibiu de ir, mas Cinderela não tomou conhecimento da proibição. Não tinha roupas de baile, sapatos delicados ou condução que a levasse, mas nem isso a intimidou: a menina fez surgir mágica para transformar trapos sujos de cinza em um deslumbrante vestido, tamancos velhos em sapatos de cristal, abóbora em carruagem, ratos em alazões e ratazana em cocheiro. Mesmo sabendo que seu disfarce não duraria muito tempo, e correndo o risco de ser desmascarada e humilhada diante da sociedade em peso, Cinderela foi ao baile, aproveitar as poucas horas até que soassem as doze badaladas para seduzir e conquistar definitivamente o príncipe. A menina teve sua única chance, a agarrou com unhas e dentes e fez acontecer. Mesmo quando se esgotou o tempo, deu um jeitinho de, acidentalmente, perder um sapatinho, para deixar uma pista a fim de que o príncipe, embriagado de amor e cego de paixão, pudesse encontrá-la e pedir sua mão em casamento. Ou seja: sofreu, cansou de sofrer, foi à luta, conquistou o príncipe que escolheu e ainda fez doce, deixando Sua Alteza correr todo o reino atrás de sua plebéia pessoa.

Essa sim, serve de modelo: vamos à luta, gurias! E dá-lhe Cinderela, que esperar é pra quem não tem pressa, e sofrer é pra quem não sabe que a vida é muito curta.

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