sábado, 21 de fevereiro de 2009

Deixem Alminha dormir...


A meninazinha dormia, mas o adiantado da manhã levou suas tias à porta do quarto, para acordá-la:
- Levanta, Alminha, o dia já vai solto e quase é hora do almoço!
Revirou-se e debateu-se, protestando ante a ideia de abandonar o conforto das cobertas. Mas obedeceu às tias, pois era obediente. Ergueu-se, calçou os chinelinhos e foi lavar os olhos.
Quando deu os primeiros passos rumo à pia, prendeu o chinelinho num vão entre as tábuas do assoalho. Foi ao chão; aterrisou de nariz. Não chorou. Parecia que já estava preparada para a queda, afinal, levantara-se a contra-gosto.
Novamente em pé, avaliou os estragos do tombo: nariz sangrando, chinelinho rasgado, camisola suja. Nada que não pudesse ser consertado.
Foi então que pôs-se a pensar, e, do primeiro germe de pensamento, surgiram muitas perguntas para as quais não tinha resposta:
Por que as tias incomodaram-se ao vê-la dormir - tanto que a fizeram levantar - mas não incomodaram-se ao ouvi-la cair, não se importando em deixá-la pôr-se em pé sozinha? Estar confortavelmente dormindo é um problema, mas estabacar-se não o é? Precisava de ajuda para sair da cama, mas não para sair do chão? Estar em repouso afeta aos demais de uma maneira que cair não afeta?
Por que obedeceu às tias? Porque levantou da cama, se queria continuar dormindo? Os outros sempre têm razão com relação ao que é certo para nós? O impulso de seguir sua própria vontade precisa ser combatido?
Por que calçou os chinelinhos? Por que não ir até a pia de pés descalços?
Por que não chorou? De onde veio tanta resignação?
Alminha não sabia responder. Também não sabia o que fazer com suas perguntas, com o ferimento, o chinelo rasgado e a camisola suja. Olhando em volta, viu a cama. Voltou para ela e deitou-se, sem nenhum remorso por manchar a fronha com o sangue do nariz.
Decidiu que aquele dia merecia sua surdez, desobediência e indolência.
Por mais que a Alma seja uma boa menina, há dias em que revoltar-se e desistir do mundo é mandatório.

3 comentários:

Carol disse...

A vida nos empurra, mas muitas vezes, não nos ajuda a levantar. Nós é que temos que aprender as lições e, sozinhos, nos colocar a andar novamente. Sobreviver aos tombos e levantar.

Super beijo!

Cib disse...

Tem toda razão, garota... Mas ainda nos resta o direito de espernear e resistir, ainda que seja só por um tempinho curto.
Beijo e bom carnaval!

Raquel, Augusto e Agatha Drehmer disse...

Os dias de Alminha são essenciais para nosso bem-estar! Viva a Alminha que existe dentro de nós e se manifesta de quando em quando!
Beijooo!