segunda-feira, 30 de março de 2009



A menina senta-se à janela e deixa os olhos passearem pela paisagem mais afastada. Manchas verdes, manchas cinzentas, manchas marrons, pedaços de cor que encontram o céu azul e que ela sabe serem árvores, prédios, terra vazia.

Assim, vendo o que está longe, não precisa tomar conhecimento da rapidez com que as coisas conhecidas ficam para trás. Não vê as casas das ruas, as placas do comércio, as pedras do calçamento... Não tenta virar a cabeça e olhar para trás, até porque a janela do ônibus limita seu campo de visão. Só se pode ver o que está sendo deixado, não o que já ficou para trás.

A menina segue sem pensar no que a espera no lugar para onde está indo. Não é isso o que a preocupa. Ela não queria ir, logo, não consegue pensar em nada que não seja aquilo que está deixando. Família, sonhos, planos, histórias, seu passado e o conforto que o conhecido lhe dá.

Ninguém a obriga a ir. Vai porque entende que é o certo a fazer. Não é o que deseja, mas aceita o indesejado por acreditar que é o melhor.

A menina lembra, então, de ouvir do pai: "-Bom não é o que é gostoso, bom é o que faz bem."

Outra lembrança, muito mais antiga, entra sorrateira no pensamento, e se liberta do cantinho escuro da memória onde vinha repousando:

"- Pai, por que não tenho muitos amigos? Por que 'eles' não andam comigo?"

O pai ri contido, ergue os olhos do livro e responde, como num deboche ao lamento de autopiedade da filha:

"- 'Eles' não andam contigo porque tu és descendente do Barqueiro do Inferno, oras! Para andar contigo, é preciso estar morto e ter sido sepultado com cerimônia e uma moeda debaixo da língua!"

A menina inexplicavelmente ri da lembrança, e percebe que não deve pensar mais no que está abandonando. Resgata o olhar do horizonte e o fixa nas faixas pintadas no asfalto, tão perto de si quanto consegue ver pela janela. Ali, tudo é deixado para trás tão rápido que mal se pode distinguir as formas ou cores. A menina se anima e, ansiosa, espera chegar ao lugar para onde está indo. Agora, a viagem parece lenta e interminável. "- O que será que me espera?"

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