terça-feira, 12 de maio de 2009

Da dor injusta, da auto-infligida e da dor gratuita

Andei pensando muito sobre dor.

Na minha cabeça, dor sempre veio associada ao sentimento de injustiça. Doia receber aquilo que eu julgava não merecer.

Desde pequena, minhas dores sempre foram acompanhadas de largas doses de revolta:

Eu não mereci ficar de castigo por escrever na parede. Minha professora faz isso na escola (o quadro negro fica na parede, não é?) e não é posta de castigo.

Eu não mereci levar palmada por derramar iogurte na mochila. Foi sem querer e, além de tudo, fiquei sem lanche e sem caderno. A palmada foi injusta, mesmo que a mamãe não goste de lavar a mochila à noite.

Eu não mereci ser impedida de ir à festa de aniversário da colega de escola. Não é justo que, por não termos dinheiro sobrando pra comprar presente, eu não possa conviver com meus amigos.

Eu não mereci ser motivo de chacota de todo o colégio por ter um nariz grande. Sou a primeira a não gostar do meu nariz, mas ele não é optativo, ao menos por enquanto.

Eu não mereci ser rejeitada pelo menino de quem gostava.

Eu não mereci não ser aprovada no primeiro exame vestibular. Estudei muito, mais do que muitos que conheço, e a reprovação foi injusta.

Eu não mereci ser traída pelo namorado.

Eu não mereci ser agredida durante um assalto ao banco onde trabalhava.

Mas e as dores que eu mesma me causei? Essas não podem estar ligadas a nenhum sentimento de injustiça. Não vieram de fora. Eu as provoquei contra mim mesma:
Minha culpa se adotar uma postura agressiva me deixou sem amigos na adolescência.
Minha culpa se gastei mal meu dinheiro e fiquei sem ter como pagar as contas.
Minha culpa se permiti que um namorado me maltratasse por cinco anos.

Ainda, a dor que não é culpa de ninguém, nem minha, nem dos outros:
Perdi meu pai.
Minha mãe tem uma doença séria, e não existe muito a fazer.

De todas as dores, acho que aprendi algumas coisas... Primeiro, que o sentimento de injustiça é pueril. Nada mais infantil do que não saber aceitar sem sofrer os desgostos naturais da vida. Segundo, que, amadurecendo, o sentimento de injustiça diminui, e passamos a perceber o quanto nossas próprias atitudes contribuem para o nosso sofrimento. Por fim, e acho que esse é o grande aprendizado até agora, percebemos que, injustas ou auto-infligidas, as dores sempre existirão. Saber de onde elas vêm é importante para prevenir que a mesma fonte produza maiores dores, mas, no fim das contas, o que realmente importa e saber reagir às dores.

A vida continua, a minha vida continua, mesmo quando estou sofrendo.
Os dias ainda são lindos, porque o mundo não vai ficar cinza só para acompanhar meu coração.
Meus afilhados ainda vão querer presentes.
Meus amigos ainda vão se divertir.
As músicas, os sabores, os cheiros, os abraços e as risadas vão estar ali, à minha espera, mesmo que eu sinta dor.

Então, toca aceitar a dor. Chorá-la, sofrê-la, esgotá-la ou resolvê-la, mas não deixar que ela me domine.

Eu sou quem sou - e quem gosto de ser - independente do sofrimento que vivi, vivo ou viverei. Se ele me modifica, que seja para melhor. Que me amoleça na alma e me endureça na casca. Que me ensine a valorizar o que importa e a esquecer o supérfluo. Que me lapide e me transforme em alguém cujas experiências embelezaram, e não embruteceram.

E que eu sobreviva...

6 comentários:

CarolBorne disse...

Putz... no more words.

Dr.do absurdo disse...

É, eu não sei lidar com minhas dores, as vezes queria ser criança e me trancar no quarto até o "bicho papão" ir embora.

Saber enfrentar a dor e tirar uma lição dela - boa ou ruim - demonstra maturidade. Ter consciência de que somos moldados por aquilo que nos acomete é doloroso, principalmente quando nos fechamos em nós.

Belo texto. Um beijo

Raquel, Augusto e Agatha Drehmer disse...

Cib, você escreveu muito do que estou sentindo hoje (e sempre, na verdade, mas tendo a esconder as dores na maior parte do tempo). Lindo e perfeito texto.

E vamos que vamos, tocando a vida sem deixar a dor nos dominar e nos divertindo o máximo possível.

Beijooo e bom show do Oasis!

PS - Acho seu nariz lindo, super combina com você. Não mexa nele nunca!!!

Anônimo disse...

Cibele, ótima como sempre com as palavras.
Nossa, adoro teus texto. Muito mesmo.
Vamos encarar de frente: a dor ainda faz parte da vida humana, principalmente aqui na Terra.
Não conseguimos escapar dela por mais que tentemos fugir. Ou fingir...depende de cada ponto de vista.
Apenas lembre-se: a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.
bjs querida.
Marilisa

Dr.do absurdo disse...

tem desafio pra vc no meu blog!!

beijo.

Sue disse...

Eu nem sei o que dizer...escrevi vários comentários e apaguei todos, nada foi suficientemente sincero pra dizer o quão sinceramente esse texto me tocou. ponto. falei.

Beijos

P.S: Eu odeio ficar em casa no sábado e tb odeio fazer doutorado, só as vezes...afinal essa foi uma dor que eu escolhi.