terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O hábito, monge e O Retrato de Dorian Gray


"O que você é fala tão alto que não consigo ouvir o que você diz."
Ralph Waldo Emerson



Nessa de que o hábito faz o monge, a gente é quase convencido de que as pessoas se revelam integralmente pelas suas atitudes. Eu também acredito - de todo coração - que a pessoa se revela mais pelo que faz do que pelo que diz, mas fazer e dizer são só a ponta do iceberg.

Não adianta nada dizer uma coisa e fazer outra, como também não adianta agir sem espírito, sem vontade, no vazio.

Meu pai dizia que precisamos colocar nossa alma em tudo o que fazemos e dizemos. Talvez por isso eu aja tanto por impulso (a minha alma veio sem superego, não se policia pra nada).

Falar, mesmo fazer, sem que o pensamento e o coração estejam empenhados é um desperdício de saliva e suor.

Quando mocinha, eu tinha uma vizinha, na distante (mas não o suficiente) Erechongas, Dona Aurélia. Ia à missa três vezes por semana. Tinha altares de todos os santos católicos na sala de casa. Rezava o rosário todas as noites.
Num dia qualquer de inverno, cedinho da manhã, quando eu ia para a escola, ouvi Dona Aurélia enxotar uma senhora idosa, pedinte, que tinha batido em sua porta pedindo comida. Do alto de seu chinelinho de pom-pom, com bob no cabelo e pegnoir, Dona Aurélia gritava, furiosa: "-Fora daqui! Vá pedir comida no asilo!"
Depois, na mesma semana, bateu na porta da nossa casa, pedindo doações pra campanha do agasalho da paróquia, com um bem ensaiado discurso em favor dos "desvalidos".

De lá pra cá, volta e meia eu encontro umas Donas Aurélias por aí. O pior é que demoro pra reconhecer.

Nos últimos tempos, tenho pensado muito sobre o que meu pai dizia, sobre empenhar a alma em tudo... E finalmente entendi que posso dizer a coisa errada, ou que o que faço pode dar totalmente errado. Mesmo assim, se eu fiz com toda a minha vontade, com "alma", de coração, já valeu.

De boas intenções está calçado o caminho. Se ele vai dar no inferno ou no céu, depende da vontade de quem anda.

Por último, lembrei de "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde (é, eu gosto de Wilde pra caramba mesmo). Quando o protagonista encara a sua real essência, quando vê aquilo que realmente é, se destrói. Alegoria das boas: quem de nós tem coragem de assumir aquilo que realmente é, sem medo de ser rejeitado pelo mundo ou despedaçado pela própria decepção? Hum... Por via das dúvidas, que ninguém pinte um retrato meu.

2 comentários:

Raquel, Augusto e Agatha Drehmer disse...

Tem uma "Dona Aurélia" no meu prédio - trata os porteiros como lixo, mas organiza bazares beneficentes. Que saco elas existirem às pencas por aí, né?

E AMO Wilde e Dorian Gray. Meu livro está surrado já, graças a Deus!

Beijooo!

jugioli disse...

Adorei suas palavras.
Vim lá do Varal conhecer este novo blog.
Parabéns.

JU